os Simpsons podem ser exemplos, sim, de uma boa conduta cristã. Afinal, o que muita gente se recorda é de ouvir Bart discutindo com o pai, Homer praguejando pela casa, Lisa humilhada pela família, Margie frustrada por não conseguir fazer as coisas funcionarem, e a pequena Maggie assistindo programas impróprios na televisão.
Você vê alguma diferença da família para outras que conhece? Sinceramente, dá para encontrar semelhança até com a minha ou com a sua, não é mesmo?
Afinal, como qualquer lar evangélico, crente ou protestante, os Simpsons travam batalhas diárias para conseguir viver aos pés de Deus. Duvida?
FÉ – De acordo com um estudo feito por um teólogo, um terço dos episódios dos Simpsons tem pelo menos uma referência a religião. Outro estudo, feito pela Universidade de San Bernardino – CA, analisou 30% dos episódios da série, escolhidos aleatoriamente, e encontrou referências à religião em 70% deles.
Na vida do casal Homer e Margie, a fé existe de forma escancarada, dentro de um bom ou mau padrão de comportamento. E a influência dessa crença chega às crianças naturalmente, como na vida.
No episódio “Bart Tirou um F”, o filho do casal corre o risco de repetir o ano se não conseguir passar em uma prova para a qual não está preparado. Desesperado, pede a Deus um dia a mais para estudar. Sem explicação, uma tempestade de neve fecha a escola até o dia seguinte, salvando Bart.
“Você pediu por isso, Bart”, explica a irmã Lisa, que aos sete anos desempenha o papel de líder espiritual da família. “Agora, seu pedido foi atendido. Eu não sou teóloga, não seio quem ou o que Deus é exatamente. Tudo que sei é que Ele é uma força mais poderosa que papai e mamãe juntos, e você descobriu isso”. Bart reconhece. “Parte desse D-menos que eu recebi hoje pertence a Deus”. E ora.
Se na vida real a relação Deus-homem gera conflito, imagine na televisão. Nem todo mundo aprova essa espiritualidade dos Simpsons. A rede de televisão Fox, que exibe a série animada, já foi pressionada pela Catholic League for Religious and Civil Rights (Liga Católica pela Religião e Direitos Civis). A organização ficou incomodada com as piadas feitas sobre a igreja. Será que os membros da Liga tiveram a preocupação de assistir ao seriado? E se o fizeram, conseguiram enxergar Deus – literalmente – na história? E contaram os dedos dele?
CINCO DEDOS – “Os Simpsons não somente vão à Igreja como todo mundo e oram, eles falam com Deus a todo o momento”, disse Mark Groening em uma entrevista. “Nós mostramos Deus nos desenhos, e Ele tem cinco dedos – ao contrário dos Simpsons, que só tem quatro”. A existência do Senhor jamais foi questionada na série, nos mais de dez anos no ar.
O Senhor que governa a vida dos Simpsons não vive apenas na sugestão de sua existência, ao contrário de outros programas e filmes cristãos. Quando os personagens entram em crise, e se dirigem a Deus, e Ele responde suas orações – mesmo que de forma irônica. As respostas divinas às orações da família são diferentes e nem sempre atendem a expectativa de quem as fez – como não deixa de ser, na minha ou na sua vida.
Em um dos enredos, depois de um Dia de Ação de Graças absurdamente desastrado, Homer ainda encontra forças para agradecer o Senhor: “…pelos poucos momentos de paz e amor que a nossa família vive… bem, menos hoje. O Senhor viu o que aconteceu. Oh, Senhor, seja honesto! Nós somos a mais patética família no mundo, ou o quê?”
Vivendo próximo de ser um Jó amarelado, Homer não duvida da existência de Deus, mesmo quando decide não ir mais à Igreja. Nessa história, Homer quer começar sua própria religião, o que o leva a receber uma visita divina. “Eu não sou uma pessoa má”, explica a Deus. “Eu trabalho duro e amo meus filhos. Então, porque deveria passar metade do domingo ouvindo alguém me dizer que vou para o inferno?”
Deus responde – “Você tem razão aí. Sabe, às vezes eu também preferia estar assistindo futebol”. “Então, eu decidi tentar viver corretamente e Te adorar da minha maneira”, conclui Homer. Mas ele muda de idéia quando é salvo da casa em chamas pelo vizinho Ned Flanders. Esse sim, um crente tradicional.
Em Michingan, o Calvin College, uma escola cristã em Grand Rapids, usa histórias dos Simpsons para ensinar religião aos estudantes. As situações vividas pela família geram discussões em sala de aula.
Nessas análises, não dá para deixar de olhar atentamente para a família do vizinho dos Simpsons, Ned Flanders. Ned é o crente ideal, professo e convicto. Fala de Deus – e com Deus – a todo o momento. Insta, quer seja oportuno ou não. Em um episódio, é demitido da Escola Primária de Springfield porque disse no autofalante: “Vamos dar graças ao Senhor”.
Homer condena o comportamento de Ned, e não perde uma oportunidade de fazer uma pequena maldade ou colocar a fé do vizinho à prova. Em todas as situações, Ned retribui somente com amor e boas ações.
Mas, em uma das histórias, na qual Ned é disciplinado pela Igreja, é Homer quem sai em sua defesa. “Se todo mundo fosse como Ned Flanders, não haveria necessidade de um Céu. Nós já estaríamos nele”
Quando o vizinho perde a visão em uma mal sucedida operação, ouve al-guém à porta da casa, e pergunta: “É você, Jesus?”. Ned sempre, e honestamente, espera a volta de Cristo a todo o momento. Ridicularizado, estigmatizado ou colocado como um out-stream social (haja visto até a semelhança do nome, Ned, com Nerd), o vizinho de Homer é a representação da religião pura e sem mácula.
Ned e seu comportamento no desenho chamam tanto a atenção que o personagem chegou a ganhar uma capa em uma revista cristã americana – real – como exemplo de virtude no serviço de Deus.
Acredite ainda : circula na internet um movimento que pede aos evangélicos mais santidade de vida diante das situações modernas. E quando alguém não souber como se comportar, basta perguntar em seu coração: “Em meus passos, o que faria Ned Flanders?”
REFLEXO – Mark Pinsky e Tony Campolo escreveram um livro analisando essa família – “The Gospel According to The Simpsons: The Spiritual Life of the World’s Most Animated Family” (O Evangelho Segundo Os Simpsons: A Vida Espiritual da Most Animada Família do Mundo”). A obra dedica capítulos aos membros da família, aos Flanders e a outros amigos da família, como o Reverendo Lovejoy, o palhaço Krusty e o indiano Apu.
Em uma entrevista, logo após a publicação do livro, Pinsky explicou que não viu no desenho animado nada que pudesse prejudicar seus filhos, e que “a maioria das referências a sexo envolviam somente marido e mulher”.
“Como cristão evangélico, eu descobri que os Simpsons me dão um reflexo da minha própria vida cristã”, diz Campolo. “Os Simpsons são basicamente uma família americana decente, com bons valores”.
Paul Cantor, professor de ciência política na Universidade da Virginia, não pensa assim. “Mesmo quando a série se propõe a ridicularizar a religião, ela reconhece, como pouquíssimos programas fazem, o genuíno papel da religião na vida de alguém como Homer e sugere que qualquer um pode freqüentar uma igreja sem ser um fanático ou um santo”.