Devocionais para não devotos (IX).

“Deuses criados pelo coração são os mais perigosos. Os de barro conseguimos ver, já os do coração são invisíveis, são protegidos como parte dos nossos sentimentos” – Aldair Queiroz
Eu sei que a visão global é laica, está conforme o senso comum, não contradiz a razão e queremos ser felizes, mas isto é possível sem necessariamente cumprir os códigos de sucesso prevalecentes? Sem ter Boas notas na escola, sem um bom trabalho (de prestígio, se possível), sem fazer boas viagens, tudo à luz do conhecimento de todos?

Imaginem um universo paralelo em que o sucesso e a competição não atuassem como combustível para a nossa sociedade. Um mundo em que aspirar às primeiras posições e ser o melhor da classe não importaria nem um pouco. Um universo onde estar apenas bem seria bom. Seria muito bom mesmo. Entretanto, não sei o que nós estamos pensando. Estamos sempre querendo apenas aquela comida que parece muito boa e cara, querendo mais uma televisão super smart, uma casa  linda em um local chic, alguns também querem o carro mais estiloso. Mas nós não fomos deixados aqui para somente ter essas coisas1.

O envolvimento com uma crença ou uma fé (muitas vezes não atreladas a uma religião tradicional) podem trazer novamente a dimensão da esperança. É quando os problemas enfrentados passam a serem vistos como oportunidades para um novo começo, pois a mudança faz parte da vida de qualquer ser humano. É quando aqueles que já passaram ou mudaram, os grandes homens de sucesso, atletas e artistas tornam-se modelos para a maioria das pessoas. Suas opiniões, ideias e perspectivas pessoais são mais acreditáveis que dogmas ou doutrinas porquê podemos customizar e contextualizar as partes que consideramos mais importantes. É exatamente nesse ponto em que dois fundamentos se contradizem e oscilam que os valores culturais são construídos. Por isso entendemos que o mundo não está de cabeça para baixo, o ser humano sim, e diferentemente das leis da física, que estão livres de inconsistências, toda ordem criada pelo homem é cheia de contradições internas. As culturas estão o tempo todo tentando conciliar essas contradições, e nesse processo alimentam todas as mudanças.

Às vezes, fazemos sacrifícios com a finalidade de alcançar uma vida mais plena e feliz; no entanto, muitas vezes não chegamos ao estado de êxtase ou plenitude que desejamos. A decepção pode levar-nos a rejeitar a disciplina que tínhamos empreendido, ou no pior dos casos, pode nos desmoralizar até o ponto de pensar que “Deus se esqueceu de nós”. Qualquer que seja a reação, está só nos mostrando que cometemos um erro. E um erro pode ser corrigido.

Infelizmente por causa do pragmatismo e utilitarismo da nossa cultura toda a nossa autocritica está errada. E os nossos modelos de sucesso, que são humanos, também. Pois os objetos, desejos e conquistas deles são igualmente perecíveis. Eles têm todas essas coisas que desejamos e aquilo que não perece ou é intangivelmente verdadeiro eles não têm também. Ora, se nós somos novas criaturas a causa e o efeito de tudo está em Cristo (a conduta humana deve agir de acordo com a vontade de Deus) e, portanto, é contraditório seguir simplesmente uma tradição cultural. Além disso, como cristãos já deveríamos saber que Deus tem o melhor para os seus filhos. A parábola do filho pródigo nos ensina isso. Que toda a dor da humanidade vem daí, da descoberta de saber que vivemos através das épocas e Deus esteve sempre governando tudo e nós apenas fingindo não saber.

É preciso deixar esclarecido também que a sanfona, o violão, a moto, a bicicleta, o cavalo, o status social, todas essas coisa que parecem não estragar nunca, sempre acabam assim: nós podemos ter, mas amanhã ou depois de amanhã, já deixamos de lado ou jogamos no lixo, porque tudo o que satisfaz os desejos do ser humano vivo tem a durabilidade perecível deles. Nesse caso, a realidade ignora nossas aspirações porque o desejo é apenas o ideal da consciência humana. É como se fosse um deus para aquele que imagina, ou pretende tomar o seu lugar, mas não o alcança, como foi bem mostrado na parábola dos cegos e o elefante (que pode ser entendida como uma teoria sobre a realidade)2: onde os homens se comportam diante da verdade buscando apenas uma parte e acreditando conhecer o todo. E por isso continuam tolos. Isso nos incomoda tanto porque estamos todos envolvidos em algum projeto e sempre colocamos as coisas debaixo da etiqueta “deu certo” ou não. Claro, muitas vezes o projeto que descrevemos é apenas teórico, mas a visão é real. Embora seja apenas um sonho, representa nossas maiores aspirações3 que deverão ser postas em prática durante a jornada de sua realização algum dia, onde sempre existe uma real possibilidade de não ser como queremos por mais simples que seja o projeto, isso parece bastante difícil de ser aceito, pois “nossa sociedade ocidental nos faz acreditar todos os dias nos artigos do LinkedIn e do Medium que tudo é possível através de muito trabalho e auto-sacrifício”4. Porque Somos pragmáticos demais funciona por um tempo.

Mas junte a tudo isso o fato que os homens morrem, todo ano morrem, cada noite, cada manhã, estão morrendo e seus criativos sonhos também. Eles ficaram destinados a isso depois que erraram para com Deus, desobedecendo-o. E mais, maltrataram o Filho dele e fizeram mais mal para si mesmos. Ainda assim Cristo insistiu em resgatar a dignidade humana de ser e de continuar a existir. E apesar de saber que existem pessoas confortáveis em não saber tudo, em apenas saber que há várias possibilidades e a verdade final não lhes interessa realmente.

Lembro aqui uma máxima bíblica: Tudo é possível ao que crê. E crer em Cristo é submeter-se ao seu domínio e ter um relacionamento íntimo com Ele. Quem quiser viver bem nesta terra precisa ser manso como ele. Mansidão é serenidade e resolução. Ser tranquilo e também determinado. Não é nada fácil ser amansado, mas possível a todo aquele que se entrega ao Senhor.

1 – O Perecível e o Imperecível – Reflexões guarani mbya sobre a existênciaDaniel Calazans PierriElefante (2018, 1ª edição).
2 – https://www.netmundi.org/home/2018/os-sete-cegos-e-o-elefante-descartes/
3 – https://www.christianitytoday.com/pastors/2019/august-web-exclusives/bonhoeffer-convinced-me-to-abandon-my-dream.html
4 – https://urbania.ca/article/quand-lanti-ambition-est-la-cle-du-bonheur/

Sobre lucaspinduca

I'm part cultural voyeur mixed with a splash of aspiring behavioral scientist and wannabe motivational Christian speaker.
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