Devocionais para não devotos XVI

Os defensores do senso estético acima de tudo sempre dizem que o mundo é um palco. Mas obviamente, aquilo que deveríamos encenar não foi ensinado e todo mundo está improvisando suas falas. Talvez seja por isso que é tão difícil dizer se estamos em uma tragédia ou em uma farsa. E penso se não seria esse entendimento a causa de tantas pessoas pensarem que precisamos de mais efeitos especiais, bebidas, números de música e dança para tornar um pouco mais aceitável esta vida? Acredito que a resposta dada a esta pergunta seja importante para a época atual, já que estamos vivendo um momento de intensa busca por conforto e pacificação interior (espiritual, psicológica), seja através de ‘lives’, discursos ideológicos ou de um comportamento adequado a tão “necessária” manutenção e permanência do antigo modus vivendi. Me pergunto se todo mundo já leu ou ouviu Nietzsche:


“Temos a arte para não morrer ou enlouquecer perante a verdade. Somente a arte pode transfigurar a desordem do mundo em beleza e fazer aceitável tudo aquilo que há de problemático e terrível na vida”.


O fato é que estamos vivendo uma época histórica, onde percebemos facilmente a constante troca de informações, tecnologias e DNA entre grupos sociais e étnicos em velocidade aumentada. Sendo a cultura, historicamente, uma mediadora nesta constante troca de “produtos” (ideias, organização social e conceitual, música, arte, religião) entre as populações humanas, nestes dias age como uma ‘membrana plasmática’ separando as ideologias ou permitindo-as. Isto tem produzido nas pessoas um desejo de querer torná-las reais, de concretizar as teorias, por isso parece tão natural aproveitarem-se do ‘roçar de ideias’ afins ou contrárias para começarem a produzir opiniões conciliatórias na forma de pensamentos híbridos. Claro que é necessário que esses pensamentos sejam entregues junto a uma opinião fundamentada que vá contra os nossos preconceitos, porque para o exercício do que chamamos de pensamento é preciso o confronto e a provocação. E sabemos que pensamentos tornam-se ações, ações tornam-se hábitos, hábitos tornam-se a base do nosso caráter, que formado diferente dessa maneira, corre o risco da despersonalização e de cair no absurdo, cuja argumentação se dará, na maioria das vezes de forma radical e sem sentido para tentar mostrar as provas de uma evidência sobre fatos pouco evidentes, mas que resistem à refutações. E daí começam os embates.

Nos últimos 300 anos, o mundo ocidental considerou amplamente “religião” (a própria palavra mudou seu significado para acomodar esse novo ponto de vista) como um assunto particular: “o que alguém faz com sua solidão”. A fé cristã como um todo foi então reduzida, na mente do público, a um movimento “privado” no sentido de que – muitos dizem – não deveria ter lugar na vida pública. Laico eles dizem. Quando isso acontece, o sistema gerador de ideias ou a própria ideologia podem entrar em crise muitas vezes, e a crença é quem poderá, muitas vezes também, permitir que os lados de cada sistema manifestem um tanto da sua lógica no intuito de forçar os indivíduos a representarem seus desejos e os conformarem com a realidade. Seria como ‘pôr as cartas na mesa’ e encarar o mundo como é de fato e não como eu penso que é. O filósofo francês René Descartes estabeleceu um novo modelo de pensamento no século XVII, ao formular em latim a seguinte proposição: “Cogito, ergo sum”, (Penso, logo existo). Era uma forma de demonstrar que aquele que existe raciocina e, por conseguinte, põe em xeque o mundo que o cerca. A dúvida científica substituía a certeza religiosa.

Abro um pequeno parêntesis aos cristãos: Quando se deixa de acreditar em Deus, passa-se a acreditar em qualquer outra coisa, segundo Chesterton, na ciência, nas ideologias, no prazer, no mercado e, principalmente, em si mesmo. Nesse caso temos a idolatria como um deslocamento: transferir para instâncias não divinas a adoração que se deve somente a Deus. Todo mundo diz: “a vida continua”, e sabemos que continua. Mas como você continua com a vida depois que aquilo que faz valer a pena viver para você se foi? Está perdido para sempre? Quem nunca teve que começar do zero? Reconstruir uma relação, uma situação da vida, mudar sua forma de pensar?

Olhemos para essa pandemia, cujas causas são pouco compreendidas, mas os modos de ação e as consequências são ainda mais mal colocadas e acabam deixando todo o mundo em uma situação estranha, entre vergonha, impotência e raiva. E contudo, ainda precisamos trazer alguns aprendizados básicos para nossa vida diária, do contrário não conseguiremos levantar os alicerces invisíveis que nos sustentam, consolar os que mais sofreram, ajudar os mais atingidos pela crise econômica a se reerguer, rever os valores que realmente podem fazer diferença na vida de toda a sociedade. Pois é isto que somos obrigados como espécie, a única racional, a fazer: tomar a decadência e a desordem deste mundo para organizá-lo de maneira que possamos entendê-lo, reescrevendo sua história.

Mas para isto acontecer a civilidade precisa ser posta em prática; para que tenhamos uma sociedade equilibrada é preciso conviver com os dois lados, suas crenças e censuras. Para no fim, o melhor de cada lado poder preponderar sobre tudo. Pode ser que nem todos sejam atingidos de forma direta, que nem todos concordem com o que escrevi, mas uma coisa é certa: de alguma forma, mesmo sem perceber, todos vamos mudar algo em nossas vidas a partir de agora. Afinal, quanto podemos ganhar gastando tempo olhando apenas o que estamos fazendo e não o que o outro disse ou fez, afim de que as nossas ações sejam justas, santas e inteiramente boas?


“Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo. E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam… E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.” (William Shakespeare).

Sobre lucaspinduca

I'm part cultural voyeur mixed with a splash of aspiring behavioral scientist and wannabe motivational Christian speaker.
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