Nós nos tornamos aquilo que pensamos. Repetidamente temos lido e ouvido sobre isso. Entretanto, de um momento para outro, certos espaços passaram a nos ser vedados; certos comportamentos impedidos, isto nos obrigou a fazer uma reorganização de nossa mente, pois é mais fácil reformular toda a nossa vida, adaptando-se, do que enfrentar a mudança exterior, examinando-a, ou, pelo menos, tentar entender porque ela aconteceu. E mesmo os mais novos desdobramentos do pensamento humano ainda carregam consigo questões que já se tornaram clássicas. No auge de nossa era, chamada por alguns de pós-moderna, hipermoderna, líquida ou, simplesmente, de modernidade tardia, ainda nos deparamos com esforços intelectuais que procuram dar cabo da velha discussão sobre teoria versus prática. Ao que parece, a sedutora representação dicotômica da forma de vida humana, partida em âmbitos práticos e teóricos, não foi exorcizada do imaginário cultural do Ocidente. Esta forma de pensar nos faz esquecer de uma coisa muito importante: aquilo que fazemos na vida ecoa para a eternidade.
A situação de violência, morte, injustiça e corrupção em nossa época mostra claramente que o reino de Deus não está sendo pregado como deveria e que, aparentemente, quando é pregado, as pessoas não estão entendendo. E não entendem por que não é exposta biblicamente, porque não existe uma sã doutrina (2Tm 4,3; Tg 1,9). Não se pode esperar profundas mudanças individuais e sociais, desde que não haja razão que exceda a ganância pessoal; enquanto o crente não for impelido pelo amor de Jesus Cristo e motivado a buscar primeiro seu reino e sua justiça, cada um estará pensando em como “aproveitar” Deus e a Igreja para construir “seu próprio reino”, falsificando a mensagem bíblica e minimizando a ética e moral cristãs.O absurdo desta situação vai num crescendo, e torna-se mais inquietante quanto mais se revela a bagunça criada. Um pesadelo acordado na verdade!
Nas últimas duas décadas vimos a desvalorização do ser humano, e ao longo desses anos, como a sensibilidade a outros seres humanos diminuiu. O mundo tem tolerado um nível muito alto de crueldade. É como uma inoculação no subconsciente, como se consentíssemos com essa violência e depois começássemos a praticá-la porque já estávamos acostumados. Os velhos grupos extremistas (religiosos ou não) voltaram e se tornaram uma infecção, uma doença novamente, e o valor da vida diminuiu e até alguns dos líderes tradicionais começaram a fazer certas coisas, porquê há um movimento dedicado à morte como forma de espiritualidade. A aberração tornou-se um hábito, como este “novo normal” do covid (eu odeio essa expressão), que se tornou moda:
“Ora, onde os parâmetros podem ser mudados para criar um outro apenas mais adequado a minha atual posição, além de uma rejeição ao anterior, cria também uma relação de valor entre os mesmos, e o uso dessa relação para inibir uma escolha visando privilegiar uma posição particular em detrimento da coletiva é relativismo. Moralmente, temos valores e regras que desde muito tempo vem sendo praticadas visando a sustentação das relações humanas, miná-las usando de um novo valor apenas para benefício de um contingente particular de indivíduos em detrimento de outros, depreciando e deteriorando a prática social e rebaixando-a à níveis irracionais e instintivos, fazendo da sociedade e suas relações um lugar onde só imperam o ceticismo, o medo, a indiferença e a imoralidade é relativismo ético da pior espécie. Este relativismo como prática é uma cobertura que não atende, é como usar uma peneira para tapar o sol, não normatiza, não normaliza a relação entre os indivíduos e entre estes e a divindade, porque banaliza o valor real de suas existências, cuja causa comum em nossos dias são os limites entre o que é legal e o que é moral e certo estarem cada dia mais imperceptíveis.”*
Os esforços teológicos de muitas igrejas, tanto protestantes quanto católicas, têm se concentrado nas aspirações egoístas de alguns líderes que concentraram poder religioso e riqueza econômica para si próprios às custas de seu rebanho. A teologia atual deve responder a essa visão materialista e secularista, novamente, com as verdades do reino de Deus. Poucos querem o reino de Deus porque não oferece muito, não é muito visível, exige muito e dá pouco, mas é o meio pelo qual Deus quis que os homens pudessem alcançar a justiça e a paz, pois o reino de Deus está, no primeiro lugar, espiritual, não material (Rm 14,17: “porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo”).